NO AR! Como parte da programação do Mês da Filantropia que Transforma, a BrazilFoundation, em parceria com a Rede Comuá, lança um videocast para para destacar a importância da inclusão no mundo digital.
O Brasil tem cerca de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência que encontram, em sua maioria, dificuldade para exercer sua cidadania na sociedade digital contemporânea.
Episódio 1 – Acessibilidade Digital: por que devemos nos preocupar com isso?
A série é conduzida por Mônica de Roure, vice-presidenta da BrazilFoundation, com a participação de Simone Freire, da Espiral Interativa e idealizadora do Movimento Web para Todos, abordando acessibilidade digital; e Isabel Clavelin, jornalista, doutora em comunicação e gerente dos Fundos de Empreendedorismo Negro e de Equidade de Gênero da BrazilFoundation, falando sobre comunicação inclusiva.
“São diversas barreiras em sites, aplicativos, sistemas e comunicação em geral que dificultam o consumo, a educação, o acesso à informação e à diversão de um importante contingente de brasileiros e brasileiras. Por meio do videocast, queremos compartilhar ferramentas e exemplos que colaborem para que as OSCs possam otimizar sua atuação, visando diminuir e ultrapassar esses obstáculos para seus diversos públicos”, completa Mônica de Roure.
Iniciativa da Rede Comuá, o Mês da Filantropia que Transforma é um movimento dedicado a debater, visibilizar e fomentar as práticas da Filantropia Comunitária e de Justiça Socioambiental. A Rede Comuá é um espaço de fundos independentes que mobilizam recursos de fontes diversificadas para apoiar grupos que atuam com justiça social. A BrazilFoundation é uma das 16 organizações integrantes da rede.
Transcrição do Episódio
Monica – Olá, boa tarde, bom dia ou boa noite para todas, todos e todes. Eu estou aqui hoje para falar sobre um assunto que é muito importante hoje em dia, que é a questão da acessibilidade digital. Nós hoje vivemos no mundo digital, numa economia digital, o que significa a gente falar sobre acessibilidade digital, que é um assunto que muitas vezes ainda está inviabilizado.
Eu sou Monica de Roure e sou vice-presidente da BrazilFoundation. Venho atuando no setor social desde os anos 80, ainda na época da ditadura, em que a gente para fazer reunião ainda se preocupava muito. Enfim, eu sou uma dinossaura desse setor e a gente tem visto como é que não só o mundo tem evoluído, não é, Simone?
Mas como é que isso tem alterado a vida, o pensamento das milhões de pessoas brasileiras, as milhões de pessoas no mundo, como essa questão hoje em dia, das desigualdades de gênero, raciais, sociais e econômicas que são históricas no Brasil, mas que hoje estão, se espalham e se aglutinam no mundo todo.
Eu acho que esse é um assunto que é muito pouco visível e discutido e que a gente precisa tratar, né? Eu vou começar apresentando a Simone. Nós vamos falar sobre acessibilidade digital com a Simone Freire, que é fundadora da Espiral Interativa, uma agência de comunicação digital especializada em acessibilidade e projetos de impacto social. Ela também é idealizadora do Movimento Web para Todos, iniciativa que reúne dezenas de organizações da sociedade civil em prol da construção de uma web mais inclusiva para todas as pessoas.
A Simone é graduada em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo e especialização em Gestão de Organizações do Setor Social e integrou os conselhos da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais) e o Insper-Inaptos. É membro do Grupo de Trabalho sobre Acessibilidade na Web do, W3C Brasil. Em 2016, ela foi eleita “10000 Women”, que é um prêmio global da Goldman Sachs que homenageia as mulheres mais inovadoras e mais empreendedoras no mundo. Em 2018 ela foi um case internacional desse programa. Em 2023, ela é uma das 15 empreendedoras selecionadas para celebrar os 15 anos desse prêmio da Goldman Sachs em Nova Iorque e Washington, nos Estados Unidos. É com muito prazer, orgulho e satisfação que eu te agradeço a presença.
O mundo virou digital. Ocorre muitas vezes pelas mídias sociais, impõe novos padrões de comportamento, valores, a discussão da questão de ética… Como é que a gente pensa nós mesmas nesse mundo digital… O que significa hoje falar sobre acessibilidade para as pessoas com deficiência nesse mundo, já que elas são tão invisibilizadas.
Simone – E inviabilizadas também. Mônica, obrigada. Obrigada por essa oportunidade. Agradeço a BrazilFoundation, sou fã demais do trabalho de vocês. Depois dessa abertura, meu Deus, que responsabilidade! Falando um pouquinho dessa questão que você trouxe, da importância da acessibilidade num mundo como o de hoje, que é a digital… Se a gente parar pra pensar, a gente acorda, a primeira coisa que a gente faz é pegar o celular.
Como é que está o tempo, né? Deixa eu ver como é que eu vou sair de casa, deixa eu ver minha agenda, deixa eu falar com a minha família, com o meu trabalho, com o WhatsApp. Deixa eu entrar para ver uma notícia. É banco, é serviço público, é tudo o que a gente faz hoje em dia, se a gente parar para pensar, principalmente no pós, durante a pandemia, nossa vida virou muito mais digital do que antes.
E aí eu paro e faço essa provocação para quem está assistindo a gente, ouvindo e vendo. E se você não enxergasse? E se você não tivesse o movimento dos seus braços, por exemplo, para acessar o celular, para fazer tudo isso que pessoas típicas hoje conseguem fazer por meio da tecnologia digital? E se você tivesse alguma limitação cognitiva, alguma limitação intelectual, precisasse de uma comunicação mais simples, mais fácil de ser absorvida? Talvez por uma imagem seja mais fácil que por um texto.
Então, tudo isso, quando a gente pensa em oferecer uma informação por meio do digital, que seja fácil de ser consumida por todas as pessoas, isso se chama acessibilidade digital. Acho que é muito bom a gente contextualizar até para esquentar o papo, porque hoje as outras acessibilidades já são muito tangibilizadas pela sociedade. Se a gente chega num espaço, por exemplo, com uma pessoa cadeirante e não tem uma rampa, não tem um elevador, a gente fala “pô, não tem acessibilidade arquitetônica”, né? Se a gente chega, por exemplo, numa sala de aula e aí tem uma criança com deficiência visual que precisa de braile e aí todo conteúdo ali está em livros didáticos tradicionais, impressos. A gente vai olhar e falar “nossa, mas não tem o que ela precisa”. Tudo isso a gente está falando de acessibilidade: arquitetônica, acessibilidade instrumental – quando você chega numa empresa, numa organização para receber um colaborador, uma colaboradora, uma pessoa cega, e aí não tem um leitor de telas naquele computador que a pessoa vai trabalhar. Então são acessibilidades que hoje a gente já consegue tangibilizar, pelo menos. Não que esteja super adequado, não, estamos longe disso.
Monica – Mas é verdade. Pelo menos essas questões já estão visíveis.
Simone – Exatamente. Mas quando a gente traz a acessibilidade digital, você falou um pouco na sua abertura, que ela ainda está muito invisível, principalmente com foco nas pessoas com deficiência. A gente tem um país hoje, o Censo acabou de trazer uma preliminar agora em julho, a gente tem quase 20 milhões de pessoas com deficiências severas aqui no Brasil, e quando a gente traz essa realidade pro digital, menos de 1% dos sites está acessível para as pessoas que tem algum tipo de deficiência severa. Então, imagina, a gente tem um contingente muito grande de pessoas. A tecnologia hoje é essencial pra qualquer pessoa, independentemente dela ter ou não uma deficiência, e a gente tem uma web totalmente excludente.
Monica – Mas eu acho que é um assunto tão amplo. Eu estava refletindo sobre isso hoje. Durante algum tempo eu convivi muito próxima ao movimento de pessoas com deficiência. Eu tenho uma afilhada que ela consegue mexer dois dedos, mas ela é uma batalhadora, ela passou a vida dela fazendo com que o mundo ficasse acessível pra ela, quisesse ele ou não. Mas são poucas as pessoas que nascem com essa questão de empreender. Você não é obrigado a ser criativo, a empreender, a buscar condições econômicas e sociais pra que a vida se torne acessível a você. Essa vida deveria estar posta. E mesmo tendo essa proximidade com a questão, eu nunca tinha pensado que hoje você acorda e que você vê, e sobretudo a juventude, vê o mundo pela tela do digital, pela tela do celular, pela tela. Você não faz nada hoje se você não tiver com o celular. São múltiplas as deficiências, são múltiplas as necessidades de acesso, e como é que a gente vai começar a pautar isso na mente das pessoas? Porque isso não está nem na mente das pessoas. Como é que a gente faz para pautar isso? E lutar, enfrentar essa questão para que as pessoas com deficiência tenham uma vida tão acessível e digna quanto a gente.
Simone – Você sabe que essa era uma inquietude muito grande minha, como jornalista, como comunicóloga, como empreendedora, trabalhando muito com projetos de impacto social. Por mais que a minha agência esteja trabalhando especificamente com isso, a gente está transformando muito pouco. E aí, até pegando um gancho para falar do movimento, que eu sei que a gente ia falar sobre ele mais pra frente, mas acho que agora é um momento oportuno, o movimento Web para Todos nasce com essa proposta da gente levar um chacoalhão pra sociedade, tentar ampliar e mostrar que é bom para todo mundo. A gente pensar numa web inclusiva, numa sociedade digital mais inclusiva, não é só para as pessoas com deficiência. Porque quando a gente trabalha essa questão da acessibilidade, a gente está facilitando a vida de pessoas idosas, a gente está levando mais acesso para as pessoas – e você falou nos bastidores aqui de regiões quilombolas, que essas pessoas estão cada vez mais conectadas, essas pessoas estão tendo contato com a tecnologia agora. Então, acessibilidade digital também é para pessoas de baixo letramento, pessoas que estão conhecendo o digital pela primeira vez.
E, afinando com a sua pergunta, como que a gente faz?, é levando o conhecimento, levando informação. Não é um bicho de sete cabeças adaptar, fazer até para as organizações – espero que essas organizações aí que estão próximas à BrazilFoundation assistam a gente e entendam que quando a gente fala de acessibilidade digital, são regrinhas que a gente tem que seguir para adaptar a nossa comunicação para todos esses públicos. Então, não é algo assim “nossa, vou ter que mudar completamente, vou ter que jogar tudo o que eu fiz fora, vou ter que aprender muita coisa nova.” Não, não se desesperem, não se assustem. Então o que falta para a gente transformar a sociedade é a informação. A informação de que não é difícil, a informação de que não é caro, a informação de que é um direito previsto em lei. O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que tem uma legislação, que é a Lei Brasileira de Inclusão, focada na pessoa com deficiência, e dentro dessa lei tem um artigo, o 63, que obriga a acessibilidade digital em sites de organizações com presença no Brasil. Ou seja, a gente também tem que levar essa informação para sociedade de que é um direito previsto em lei, é uma obrigação jurídica das organizações.
Monica – É um grande desafio, porque é um direito, é uma questão de um lado, do direito da pessoa, de acesso à informação, e do outro, a gente tem na sociedade muita desinformação e tem uma incapacidade por conta de a gente ver o mundo por meio do celular, de olhar para o outro, de empaticamente se conectar com o mundo real, seja a diversidade do mundo real que existe. Hoje em dia, por exemplo, logo que se começou essa a questão da digitalização e tal, os instrumentos para transformar o mundo digital em acessível ainda eram muito onerosos. Hoje em dia não, tem várias startups que resolveram essa questão do alto custo.
Como é que a gente fala? Como é que a gente sensibiliza empresas, como é que a gente consegue assim dar um clique? A gente precisa desse clique de pensar assim olha, a gente tem as desigualdades históricas, que elas são raciais, elas são sócio econômicas, elas são de gênero e elas são de inclusão de pessoas com deficiência. Como é que a gente pauta isso para o grande público?
Simone – A gente tem vários argumentos. O argumento do direito ao acesso à informação, esse permeia o social e o jurídico. A nossa abordagem, entrando aí em organizações, empresas, não importa o setor, primeiro a gente tem a questão jurídica e a questão social de inclusão. Então você pega as empresas trabalhando muito essa questão de ESG, das práticas de diversidade e inclusão, e como é que você é uma empresa que se posiciona como uma empresa com práticas inclusivas, e lá no seu pilar do S do ESG você não está olhando para a inclusão das pessoas no digital, se hoje todo mundo está digitalizado? Então esse é um argumento: se você está comprometido nessa jornada de inclusão, o seu digital não pode estar fora disso.
A outra abordagem é levar a sua mensagem, levar o seu serviço, levar o seu produto, levar a informação para um público que não está tendo acesso a isso. Ampliação de mercado, de potencial, não importa se você está vendendo, se você está captando. Se a gente pensar nas organizações que querem captar doações, como a própria BrazilFoundation, e o nosso site é maravilhosamente acessível, o site da BrazilFoundation, que nós da Espiral que fizemos. Então, essa é uma preocupação de negócio, preocupação estratégica. As empresas, organizações que não estão olhando para esse público com o potencial de ampliar a sua comunicação, a sua venda, o seu serviço, estão deixando de lado aí 20 milhões de pessoas. Vamos parar para pensar.
Tem estudos que mostram, por exemplo, que as pessoas com deficiência e seus familiares têm uma tendência muito maior a doar, a fazer doações. Então, se você não está com o seu site e a sua presença preparados, se você está usando uma plataforma que não é acessível para uma pessoa cega, para uma pessoa que só se comunica em LIBRAS, por exemplo, ela não lê o português. Tem muitas pessoas que foram alfabetizadas só na Língua Brasileira de Sinais. E se a gente não tem, por exemplo, a Maya, como a gente tem no site da BrazilFoundation, que é o Avatar (que faz a tradução do conteúdo do site para LIBRAS), essas pessoas vão entrar ali e vão achar que aquilo está em grego, em japonês, em árabe, porque elas não leem português. Então, ao negligenciar essas adaptações, você está perdendo a oportunidade de se relacionar com o público de milhões de brasileiros e brasileiras. É uma oportunidade de negócio, jurídico, compliance… e é o certo a se fazer.
Monica – E tem uma questão de olhar cenário de futuro, porque já foi a época em que a gente precisava que a legislação de cota fosse cumprida e não era cumprida, era melhor sofrer um TAC… Só que isso já passou. Então, se você olhar para sua empresa, para sua organização, daqui a dez anos, já vai ter sido. Então, é melhor que a gente mantenha isso e aja no hoje para isso.
Eu acho que a gente terminou hoje, mas nós vamos continuar a nossa discussão num futuro. Eu queria te agradecer imensamente e pedir a todas as pessoas que curtiram e gostaram desse vídeo, compartilhem, porque a gente precisa alterar o imaginário da sociedade, o modo que nós vemos o mundo, se a gente de fato está preocupado em um mundo em que as pessoas tenham uma vida digna e igual para todas nós.
Obrigada, obrigada vocês.
Simone – Valeu pessoal!