Uma raquetada na desigualdade social
Em Porto Alegre, o tênis é a porta de entrada para uma nova perspectiva de vida
Por Nuria Saldanha
Enquanto viajava o mundo todo para clicar campeões do tênis brasileiro como Gustavo Kuerten, uma imagem não saía da cabeça do fotógrafo Marcelo Ruschel. “Toda vez que eu voltava para casa passava por uma quadra de tênis abandonada e imaginava crianças do meu bairro aprendendo tênis e outras coisas ali, pensava que podia ter um projeto social naquele lugar.”
A ideia de Marcelo, que ingressou no mercado de trabalho como office-boy, era aproveitar o esporte que o consagrou como profissional da fotografia para ajudar a despertar crianças de baixa renda do entorno para seus potenciais. E ele queria fazer isso no bairro onde mora, o Belém Novo, que fica na região sul de Porto Alegre, bem afastado do centro da cidade onde estão os atendimentos públicos e de espaços de proteção à infância.
No início dos anos 2000, Marcelo decidiu então alugar a quadra para oferecer atividades às crianças do bairro e convenceu a esposa Luciane Barcelos da Silva a embarcar no projeto. Batizou a iniciativa de WimBelemDon, um trocadilho que mistura o nome do bairro onde mora e faz uma homenagem ao torneio de Wimbledon, o mais tradicional evento de tênis do mundo, que acontece em Londres, na Inglaterra.
Em março de 2003, o WimBelemDon abriu as portas para 40 crianças de 8 a 12 anos com atividades de tênis e oficinas de leitura. A iniciativa cresceu, foi ganhando força e, ao observar as demandas e necessidades dos alunos que chegavam, o Marcelo e a equipe foram ampliando a oferta de oficinas.
Hoje o WimBelemDon atende 60 crianças e adolescentes de 6 a 18 anos que têm aulas de tênis, participam de oficinas socioemocionais, pedagógicas e culturais como cinema, arteterapia, laboratório de aprendizagem e alfabetização, oficinas de bem-estar como meditação e ioga, além grupos de psicoterapia que promovem transformações individuais e sociais. Quem participa do projeto também recebe alimentação especial no local. A ideia não é formar tenistas profissionais, ainda que grandes talentos sejam muito incentivados, mas usar as raquetes para reduzir a desigualdade social. O foco é oferecer acesso ao esporte como uma porta de entrada para aproximar crianças e jovens dos cuidados que merecem e estimulá-los a acreditar nos próprios sonhos.
“A gente enfrenta preconceito, as pessoas veem a nossa sede arrumada e acham que a gente não precisa de dinheiro. Muita gente também acha que o tênis é um esporte de elite e que não combina com a realidade dessas crianças” – diz Marcelo Ruschel.
A verdade é que as histórias do WimBelemDon e das pessoas que passam por ele são a maior prova de que o tênis é, sim, para todo mundo. Em 15 anos, a organização atendeu mais de 1.000 (mil) crianças e mudou histórias de vida como a do Leo, que em 2005 passou pelo WimBelemDon com 12 anos e nunca mais se desligou. Ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul para cursar matemática e, durante o curso, se tornou voluntário das oficinas de aprendizagem do projeto. Em 2017 ele se formou, foi aluno destaque pelas maiores notas e o orador da turma.
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Em 18 anos de atuação, foram mais de 20 mil horas de atendimentos para acolher e proteger crianças e adolescentes. E as portas da casa estão sempre abertas para os talentos desenvolvidos. Jaleska Mendes, de 24 anos, foi aluna do projeto, se destacou em campeonatos locais, ganhou bolsa de estudo fora do país, fez faculdade de Educação Física e hoje é professora de tênis dos novos alunos.
O tênis e a resiliência
Quantas vezes no tênis vimos jogadores profissionais virarem um jogo que parecia perdido? A resiliência – capacidade de resistir e reagir em situações adversas – é uma das habilidades mais importantes de um tenista. Esse ensinamento tem um grande impacto nas vidas de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, mas também serviu muitas vezes para a equipe.
Em 2017, o WimBelemDon esteve perto de fechar as portas. Com a crise econômica que assolou o país, o volume de doações para a organização caiu muito, mas com a ajuda da campanha internacional de captação de recursos Abrace o Brasil, da BrazilFoundation, conseguiu um novo fôlego. Foi a organização que arrecadou o maior valor financeiro, mais de R$ 100 mil. As 220 doações que vieram do mundo todo ajudaram a manter as atividades com crianças e adolescentes.
No primeiro semestre de 2018, um novo baque, um incêndio destruiu dois vestiários e um depósito com os materiais esportivos do projeto. As aulas precisaram ser transferidas para um local emprestado por um tempo e não tiveram a frequência diária de costume. Mas eles deram a volta por cima, bateram de porta em porta pedindo ajuda e conseguiram reconstruir a sede que ficou ainda melhor, as novas instalações contam com calhas e cisternas para reaproveitar a água da chuva e energia solar.
Após o incêndio
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Após a reconstrução
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Filantropia e fortalecimento institucional
E em 2018 o WimBelemDon foi contemplado com apoio de Fortalecimento Institucional, que oferece recursos para que as instituições se aprimorem e pensem em sua sustentabilidade no futuro.
O valor de R$ 80.000 recebido foi usado para ampliar do número de crianças e adolescentes atendidos, capacitar a equipe para melhorar o atendimento oferecido aos educandos, investir na área de comunicação com foco na divulgação do impacto para chamar a atenção de novos doadores, bem como melhorias na infraestrutura de TI com a compra de equipamentos de informática e softwares de gestão.