Como parte da programação do Mês da Filantropia que Transforma, a BrazilFoundation, em parceria com a Rede Comuá, lança um videocast para para destacar a importância da inclusão no mundo digital.
Neste último episódio da série, discutimos a importância da comunicação inclusiva em relação à diversidade humana, como a linguagem pode refletir e promover essa inclusão, quais são os desafios enfrentados quando se trata de representar grupos diversos, e como a comunicação inclusiva pode ser usada para desconstruir estereótipos de gênero e promover a igualdade.
Monica de Roure, vice-presidente da BrazilFoundation, convida Isabel Clavelin, jornalista e doutora em Comunicação, Gerente dos Fundos de Empreendedorismo Negro e de Equidade de Gênero da BrazilFoundation. Isabel trabalhou na área de comunicação em cooperação internacional, e em órgãos federais na área de igualdade racial e políticas para as mulheres, sendo responsável por campanhas públicas contra o racismo e pelos direitos das mulheres.
Episódio 3 – Comunicação e Linguagem Inclusivas
A série é conduzida por Mônica de Roure, vice-presidenta da BrazilFoundation, com a participação de Simone Freire, da Espiral Interativa e idealizadora do Movimento Web para Todos, abordando acessibilidade digital; e Isabel Clavelin, jornalista, doutora em comunicação e gerente dos Fundos de Empreendedorismo Negro e de Equidade de Gênero da BrazilFoundation, falando sobre comunicação inclusiva.
Iniciativa da Rede Comuá, o Mês da Filantropia que Transforma é um movimento dedicado a debater, visibilizar e fomentar as práticas da Filantropia Comunitária e de Justiça Socioambiental. A Rede Comuá é um espaço de fundos independentes que mobilizam recursos de fontes diversificadas para apoiar grupos que atuam com justiça social. A BrazilFoundation é uma das 16 organizações integrantes da rede.
Transcrição do Episódio 3
Monica – Bom dia, boa tarde, boa noite a todes, todas e todos. Eu estou aqui no terceiro episódio do videocast sobre Comunicação Inclusiva e Acessibilidade Digital no Brasil, que é uma parceria da BrazilFoundation com apoio da Rede Comuá, que é uma rede de organizações da sociedade civil que, como a BrazilFoundation, compartilham de atuações na área de desenvolvimento comunitário para promover a autonomia e vida digna nas comunidades desses diversos Brasis que nós temos e que trabalham com uma pauta de justiça social. Esse é o terceiro videocast.
Eu recomendo a vocês para que vocês vejam os dois videocasts anteriores com a… que sou eu e a Simone Freire. E eu sou a Mônica de Roure. Eu estou vice-presidente da BrazilFoundation e eu tenho o prazer aqui de estar compartilhando esse videocast com a minha amiga de trabalho, a Isabel Clavelin, que ela é gerente do Fundo de Empreendedorismo Negro e do Fundo de Equidade de Gênero da BrazilFoundation. Eu agora vou ter que pegar uma colinha porque o currículo da Isabel é fantástico. A Isabel tem formação em Jornalismo, é mestre e Doutor em Comunicação pela Universidade de Brasília.
Por 17 anos, ela trabalhou em Brasília na área de comunicação em cooperação internacional, e em órgãos federais na área, na área de igualdade racial e políticas para as mulheres, sendo responsável por campanhas públicas contra o racismo e pelos direitos das mulheres. Gestão editorial de conteúdos e assessoramento… difícil essa [risos]… de personalidades públicas e celebridades em assuntos sobre relações raciais e de gênero. Isabel é muito legal estar com você aqui.
A gente vai abrir um pouco esse escopo da questão da comunicação inclusiva e acessibilidade digital, muito no aspecto onde a gente parou no Videocast dois, que é essa questão de como é que a gente traz não só de fato a comunicação digital, a capacidade da gente se comunicar com o mundo, incluindo elementos tão importantes, sobretudo para as pessoas com deficiência no Brasil, que é a questão de raça e a questão de gênero.
Isabel – Uau! Uau! Bom, acho que a gente tem que sempre tentar simplificar o máximo possível as questões e trazer as pessoas na sua perspectiva humanizada para centralidade, e trazer realmente para esse corpo caudaloso que nos torna pessoas humanas e exercer a nossa humanidade.
Quando a gente está aqui falando sobre essas questões todas e a realização, a possibilidade de fazer essa série de videocasts, se dão justamente por meio de parcerias na Rede Comuá que é uma rede que estabelece teias entre pessoas, entre organizações, entre entidades que fazem parte de um sistema filantrópico no Brasil, em que a BrazilFoundation é uma das duas instituições bastante reconhecidas. Então, filantropia, né? A gente está falando aqui setor social.
A gente está falando de um quadro, de um campo, na verdade, que estabelece a reumanização da vida, né? E quando a gente fala de comunicação antirracista, comunicação antisexista, comunicação pelos direitos das mulheres, da população negra, povos indígenas, população LGBTIQ+, pessoas com deficiência e as múltiplas deficiência. A gente está falando das pessoas que foram excluídas num sistema de dominação em que poucas podiam falar, escrever e acessar os conteúdos, ter direito às imagens, né? Então a gente está falando aqui de uma comunicação que ela é bem naquele princípio freireano dialógica, que é trazer, realmente estabelecer espaços de diálogo, de inclusão, de pertença, de conforto, de harmonia entre pessoas humanas, né? Então eu entendo também que muito a própria gestão dos fundos, Fundo Empreendedorismo Negro, Fundo Equidade de Gênero…
Quando a BrazilFoundation traz essa reestruturação, em focar em fundos temáticos, e aí te parabenizar porque tu é uma das pessoas que concebeu argumentativamente esse cenário e transformando a realidade, inclusive avançando já numa realidade da BrazilFoundation, que é justamente quem vem ficando de fora. E por que os esforços precisam ser mais concentrados? Por que precisam ter mais impacto? Tem algo que tu fala, Mônica, que é muito importante. Eu sempre gosto de ouvir, que é alterar os imaginários, alterar o inconsciente coletivo, né? A gente tem um inconsciente coletivo que é do temor, da violência, do poder, da dominação, do controle que impede as pessoas de serem humanas e que estabelecem aí exclusões, silenciamentos, ocultamentos, imagens distorcidas da realidade.
Então, quando a gente fala em ampliar o campo de visão, na verdade a gente está falando de alterar todos os sentidos. O sentido de produção de conhecimento, sentidos, cognitivos, inclusive. Porque hoje, quando a gente está vendo as pessoas, inclusive nas redes sociais, as redes sociais, digitais, são redes como as das cearenses, das nordestinas, aquela que pega o peixe nos rios, nos mares. As redes são essas. As redes foram feitas para nos alimentar, nos nutrir, possibilitar que a gente use os recursos ao nosso favor, mas que não a gente não brigue. Que a gente não se distancie, que a gente não controle. Mas aí está a nossa disposição de que? De pactuar com uma outra perspectiva, uma perspectiva positiva que é de a gente realmente possibilitar solidariedade, compreensão, diálogo, desarme, né?
Monica – Isso é muito importante. Eu acho, Isabel, estou até te interrompendo aqui, porque eu acho que você tocou num ponto muito importante, porque quando eu falo de imaginário, eu estudei muito filosoficamente essa questão do controle do imaginário. Você pelo imaginário de violência, de perigo, olha o outro como um espaço de receio, porque você não conhece. Você cria mecanismos de isolamento, que é o contrário da questão de que você está colocando dessa teia, dessa rede, desses pontos luminosos, como diz o Tião Rocha, que cada pessoa tem dentro de si, de poder empaticamente se relacionar e juntas poderem pautar pautas de direitos, de espaços, de colaboração, de cooperação, de solidariedade, que são conceitos…
Hoje a gente está usando muito mal a rede social. Se você usa as mídias e as redes sociais, é para criar diálogo. Essa questão do diálogo com o outro e em vez de a gente e as redes sociais são importantes e elas são inclusivas e includentes justamente porque você vai poder aproximar realidades diferentes umas das outras, né? Eu acho que esse foi um ponto bastante importante da tua pauta.
Isabel – Porque a gente vem numa perspectiva e principalmente aqui no nosso país, que é o Brasil, né? Esse país eu sempre gosto de lembrar muito o Milton Santos, o geógrafo negro baiano, que é um dos maiores intelectuais orgânicos do Brasil. E ele gostava de dizer isso porque o intelectual orgânico precisa estar produzindo academicamente, né? E aí buscando sempre a neutralidade de construir a episteme, né?
E a Sueli Carneiro vai nos trazer uma episteme que realmente possibilite explorar a ciência, os mundos. E não construa, não entre no epistemicídio que são as produções de conhecimentos que matam a possibilidade de expandir as nossas compreensões e a nossa consciência coletiva. Quando a gente está falando de inconsciente, aí a gente vai pra psicanálise e para os estudos psíquicos e psicológicos que vão nos levar para outros caminhos. Mas o que é trazer a consciência negra?
O que é trazer a consciência de gênero? O que é trazer a consciência das pessoas com deficiência da população LGBTQ+? As pessoas com deficiência, a gente sabe historicamente, nos períodos mais desumanos das nossas vidas humanas, trajetórias, eram pessoas que não viviam. Eram pessoas que eram trancadas em casa.
Eram pessoas que eram assassinadas porque elas não correspondiam ao padrão de normalidade. Elas não tinham… e só sobreviviam às pessoas com deficiência que eram filhos de pessoas abonadas, porque elas ficaram trancafiadas dentro de casa, né?
Monica – Isso ainda existe?
Isabel – Então, isso existe muito ainda. Então, é bastante importante a gente falar dessas questões do direito à vida, do direito da vida no sentido da vitalidade da vida e não do signo da morte. A Sueli Carneiro traz muito isso.
É o ser e o não ser. Então, o que é ser humano? E por que algumas pessoas são colocadas na condição de não ser humano? Porque outras se colocam na situação de superioridade e a superioridade significa dominação e dominação significa excluir a outra para você ter tudo pra si. Então a gente vem dessa trajetória humana no Brasil, que é o tráfico negreiro, que foi a colonização.
O descobrimento das Américas se deu em razão disso, inclusive o genocídio indígena, né? E aí a gente vem agora nessa, trazendo aqui para a nossa realidade, para os dias atuais, tendo de fazer os ajustes necessários e trabalhando inclusive com essas ameaças que se colocam muito efetivas do ponto de vista discursivo, digital, dos silenciamentos dos ditos não ditos interditos e até de um conhecimento cognitivo. Porque a gente também está vendo defasagem cognitiva das pessoas, a falta de educação, a falta de humanidade, falta de compaixão no sentido da fraternidade entre as pessoas. De dizer assim, gente, a gente saiu de uma pandemia em que todo mundo estava quase fadado, que todo mundo ficou fadado a mesma condição humana e desumana. Porque a primeira mulher, falecida no Brasil, foi uma trabalhadora doméstica.
A gente sabe quem é que teve que ir pra rua, sendo uma ameaça letal para todo mundo, né? E a gente também vê o que é o uso, e isso historicamente, também vem sendo feito, articulado, de estabelecer o inimigo, a inimizade entre as pessoas, o inimigo oculto, né? Então, trazer à baila essas identidades, harmonizar a linguagem, trazer realmente um discurso, imagens positivas das pessoas, imagens das realidades, a imagem da favela, a imagem do quilombo, a imagem do terreiro, a imagem das terras indígenas, as imagens que hoje estão sendo gerados no Brasil pelos desastres naturais.
A gente tem visto, por exemplo, trabalhadores rurais e trabalhadoras rurais, inclusive no Estado, de que eu nasci, sendo absoluta, exercendo a solidariedade diante de uma situação terrível que são das enchentes e pessoas que muitas das vezes foram criminalizadas por mobilizar todo seus recursos, pela reforma agrária, por fazer essa discussão pública. E aí tu traz uma outra coisa que eu gosto muito da tua fala das terras no Brasil com relação às capitanias hereditárias.
Então, a gente vive o tempo todo tendo de desconstruir essas visões equivocadas que são para fins de dominação e que são para atrapalhar os direitos que foram abordados em algum aspecto aqui pela Simone nas… nos episódios anteriores. Então, quando você tira as pessoas que são excluídas do espaço de direito e o direito é importante porque nos possibilita não brigar, não matar, você diz assim: “Ah, eu preciso disso aqui, tá na lei. Então você tem que cumprir.
É um acordo, é um contrato. Se você descumpriu, tá aqui o código de ética, a Constituição, você vai ser penalizado por isso, tá?” Isso é trazer a consciência para uma normalidade jurídica, o ordenamento jurídico. Então a gente está falando aqui de muitas questões que a comunicação pode sim estabelecer pontes, mas a gente precisa ter trabalhos bem técnicos.
A gente precisa ter gente capacitada para fazer isso, em condição de: com crítica, com consciência, com responsabilidade do conteúdo que está produzindo, das imagens de realidade, das imagens positivas. Porque também a gente tem que ter bastante também muitos cuidados com relação a maneira de retratar o mundo, para também não degradar e violar os direitos das pessoas, no sentido de criar situações de revitimização e até mesmo de sofrimento da sua própria condição de destituição de direitos em algumas medidas.
Então, quando a gente vê pessoas LGBTIQA+ reivindicando seu direito de existir, de beijar a sua companheira, no caso, ou seu companheiro, enfim, nas relações homoafetivas, as pessoas trans, crianças e praticantes de religiões de matriz africana de poderem utilizar o espaço da escola como espaço laico e o quanto que esses direitos também são interpelados e isso também ser retratado.
Então, quando a gente traz uma foto, uma imagem de uma criança de candomblé exercendo a sua religião, a gente também está alterando o inconsciente coletivo, que diz que é uma religião do demônio, porque, numa perspectiva judaico cristã, foi assim que as religiões… se exerceu uma parte das dominações religiosas, né? Então, a gente tem muita coisa que para alterar e a comunicação é crucial para isso. Então é humanizar, é sensibilizar e contar as histórias e mais que tudo, a gente se desarmar, entender. “Poxa, eu não conheço essa realidade.”
Eu quero entrar no universo das pessoas prostitutas. É um universo diferente para mim. Eu não sei como é que falam, eu não conheço, mas o fato de eu não conhecer não significa que eu vá julgar e vai discriminar e vai excluir, né? A gente viu na pandemia as mulheres prostitutas aqui na região de São Paulo, estabelecendo outras possibilidades de conhecimento, de fazer trabalhos para poderem comer durante a pandemia, porque tinha gente que também não queria nem ceder cesta básica para elas pelo fato de serem trabalhadoras do sexo. Então, assim, que mundo é esse que a gente está vivendo? Quem é que vai restar se a gente continuar excluindo? Uma pessoa com deficiência, por exemplo, uma deficiência né, Simone? Ela pode ser adquirida por qualquer uma de nós, em qualquer etapa da vida.
Monica – Exatamente. E a gente está encerrando. Mas eu queria tomar alguns pontos de enfatizar, né? Que mundo é esse? E a questão é que se a gente não abre as nossas mentes, é um ponto que eu fico assim, de um lugar de fala de uma pessoa branca e que, portanto, teve um acesso a um conjunto de privilégios.
Há ali, no sentido, outros sentidos que estão ali já estabelecidos e pré estabelecidos para que eu os desfrute, né? Eu vejo assim, que se a gente e minha família tentou o tempo todo desconstruir esse mundo de alijamento para que eu pudesse desfrutar de fato de um privilégio a ter acesso e a realização da minha inteligência como um todo. Quando a gente olha para as pessoas e elas são de fato todas iguais, porque se a gente for agora tirar uma tomografia nossa, vai aparecer com quaisquer questões que a gente tenha, vai aparecer costelas iguais, pulmões iguais, coração igual.
O que nos distingue então? De fato, né? Nos distingue a intolerância, nos distingue, a falta da nossa capacidade de entender e desfrutar do outro, do outro enquanto alargamento de cultura, alargamento de empatia. Se você não tiver empatia, você não consegue estudar, você não abre a sua cabeça.
Isabel – Com certeza, eu acrescento as mentes, o coração, que é o que a gente na comunicação trata muito e não só. Mas enfim, na questão de filantropia, nas questões de direito, porque é isso que vai nos possibilitar em algumas mentes retrógradas, mentes duras, mentes egóicas, mentes dominadoras e o coração e a gente se colocar no lugar da outra pessoa no sentido de entender que é isso.
Aliás, foi um grande debate que teve no Brasil há poucas semanas. Uma pessoa muito famosa no Brasil, que é muito rico, né? E teve a condição de viver por conta de uma doação de um coração que veio pelo Sistema Único de Saúde. Não há dinheiro no mundo e um teve que morrer para ele viver.
E ele só sobrevive e tem mais condição de viver hoje por causa de um coração de um jovem que estava jogando onde? Num time de várzea no Brasil, né? Um homem jovem de cerca de 30 anos. Então a gente está falando exatamente disso. O que nos distingue, né? Porque a gente se separa se a gente tem que se unir. A gente tem que unir os nossos esforços, unir os nossos dinheiros, a nossa inteligência, a nossa força motriz para recuperar esse mundo que está acabando. O nosso mundo está esfacelando, é urgente. A gente está morrendo de maremoto, de terremoto, de incêndio.
Monica – De intolerância.
Isabel – De intolerância, né? De tiro, de balas dirigidas às crianças negras, às mulheres negras de axé, aos quilombolas, a pessoas que defendem os direitos humanos no Brasil. Que são pessoas ameaçadas. Então, o que que mais que está faltando a gente entender que a gente precisa mudar? E a gente tem que exercitar primeiro de tudo é o respeito e as ações práticas. Então é justamente aqui a gente se colocar numa urgência de ação, de reeducação.
Monica – De educação pela comunicação.
Isabel – De educação pela comunicação, de educação pelas outras pessoas. E de ação mesmo, de urgência, Mônica. Porque no final das contas, as mesmas chuvas que hoje estão – claro que não são as mesmas – mas as chuvas que as cenas de enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, foram as que assolaram a Bahia na época do Natal. E teve muita gente que não estava nem aí por conta do Nordeste, né gente?
Hoje que a gente vive um ódio, né? As fake news, o discurso de ódio nas mídias, que muitas das vezes são absolutamente insensíveis aos dramas e aos sofrimentos humanos por conta de uma pessoa residir na região Norte ou na região Nordeste, né? Então a gente está falando aqui de algo que a gente precisa realmente voltar a ser um ser humano. Isso é ser humana.
Monica – Ser humana. Urgente! Ontem eu me peguei… Essa violência tá ficando tão intrínseca que ontem eu fui pegar um Uber e a motorista tinha lá as missangas, tinha todos os cordões da religião dela pendurados e eu tive que me policiar para não dizer… quase que eu perguntei, mas eu achei que era uma violência que eu tava sofrendo, não era ela, de olhar e ficar preocupada se não iria entrar uma pessoa religiosamente intolerante e ser agressiva com ela porque ela estava com os sinais da religião de candomblé…
Isabel – E aí a gente volta aquilo que é de alterar os imaginários negativos, preconceituosos, discriminadores. Porque o mundo é feito de códigos e de símbolos, de significados e de significantes. Tu sabe que tu é uma pesquisadora dessa área. Então a gente precisa realmente entender que tem códigos que a gente não faz parte, porque a gente não é daquele grupo. E não, não ser daquele grupo não significa que eu quero acabar com aquele grupo.
Monica – Exatamente.
Isabel – Entendeu, então, de que há espaço para todo mundo, que o planeta é um só por enquanto. E mesmo assim, quando tiver super naves espaciais e os foguetes, a gente sabe quem é que vai ficar pra trás, né?
Porque são as pessoas abonadas, as bilionárias que vão conseguir vazar de um país, de um mundo que está explodindo. Ou seja, a minha fala inicial é: a gente realmente precisa de um novo pacto civilizatório. As mulheres negras já colocaram isso na Marcha das Mulheres Negras contra o racismo. As rurais fazem isso com a Marcha das Margaridas.
As indígenas trazem isso e fizeram isso há pouco tempo. Então a gente tem que realmente se pactuar com a nossa civilidade e com a nossa urbanidade. Não, não estou excluindo o mundo rural, mas eu estou dizendo assim: É por que a gente está voltando para a barbárie?
Monica – Exatamente. Esse é um ponto. Porque é entrar nessa nave espacial. O que será isso? O que será um mundo sem as diferenças? Que graça, que aprendizado esse mundo vai trazer para a gente? Se a gente tem que ficar preocupado com o outro porque ele está com um código que ele pode ser capaz de sofrer intolerância.
Isabel – Aí os retrocessos, né? A gente… voltou sífilis, voltou sarampo porque né, porque você não tem nem mais campanhas, por exemplo, por uma questão de entendimento de determinados políticos, entre outros, que você não podia falar sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos no Brasil e nem fazer campanhas de prevenção às DST’s, às doenças e infecções sexualmente transmissíveis.
Então a gente está falando aqui de questões de vida, de saúde, de educação, de assistência social. A gente está falando de país que um monte de gente morre de dengue ainda, de um país que tem baixa cobertura de saneamento básico. Isso tudo precisa… A gente precisa falar disso e a gente precisa mostrar quem é que vive essas condições de degradação e onde estão as pessoas que vivem muito bem, porque para alguém tá muito em cima, acima, alguém está muito abaixo.
Então aqui a gente vem com as questões de equilíbrio, equidade. E quem é que vai fazer essa balança? Somos todas e todos e todes que faremos por meio dos nossos discursos. A capacidade de a gente falar sobre isso, mostrar essas realidades, retratar isso com muita humanidade, com muita sensibilidade, porque a gente não pode fazer com que as dores históricas das outras pessoas a silenciem e façam retirar determinados símbolos ou se ocultar por conta de um inimigo oculto. A gente não pode ter o inimigo oculto.
Monica – Exatamente. Eu queria te agradecer muito, Isabel. Se você gostou deste podcast e está conosco nesse compromisso de interromper esse processo “incivilizatório” que a gente está passando hoje, por favor, compartilhe esse podcast. Super obrigada, Isabel! A gente precisa de fato ter condições de sermos um no todo. E somos todos plurais! Somos todos hábeis e todos e todes. Não tem essa distinção porque somos todes iguais. Muito obrigada!