Como parte da programação do Mês da Filantropia que Transforma, a BrazilFoundation, em parceria com a Rede Comuá, lança um videocast para para destacar a importância da inclusão no mundo digital.
Menos de 1% dos sites no Brasil está preparado para a navegação de pessoas com deficiências severas. Estão incluídos sites de empresas, fundações, famílias, serviços públicos, lojas virtuais, portais de notícias, instituições de ensino etc. No episódio 2, uma discussão para pensar em como se adaptar e colocar em prática ações que colaboram para tornar o mundo mais acessível.
Episódio 2 – Acessibilidade Digital: como tornar a sua presença digital mais inclusiva para todas as pessoas
A série é conduzida por Mônica de Roure, com a participação de Simone Freire, da Espiral Interativa e idealizadora do Movimento Web para Todos, abordando acessibilidade digital; e Isabel Clavelin, jornalista, doutora em comunicação e gerente dos Fundos de Empreendedorismo Negro e de Equidade de Gênero da BrazilFoundation, falando sobre comunicação inclusiva.
Iniciativa da Rede Comuá, o Mês da Filantropia que Transforma é um movimento dedicado a debater, visibilizar e fomentar as práticas da Filantropia Comunitária e de Justiça Socioambiental. A Rede Comuá é um espaço de fundos independentes que mobilizam recursos de fontes diversificadas para apoiar grupos que atuam com justiça social. A BrazilFoundation é uma das 16 organizações integrantes da rede.
Transcrição do Episódio 2
Monica – Olá, bom dia, boa tarde, boa noite para todas, todes e todos. Eu estou aqui no segundo episódio do nosso videocast sobre acessibilidade digital com a Simone Freire, que é a fundadora do Movimento Web para todos. E nós vamos continuar discutindo a questão da acessibilidade digital. Para aqueles e aquelas que estão nos vendo pela primeira vez, eu recomendo que assista o primeiro videocast e que aí a gente compartilha muito a ideia mais filosófica do conceito de acessibilidade digital e da sua importância na vida de todas as pessoas, sejam elas ou não portadoras de deficiência.
E, sobretudo, talvez para as que não sejam portadoras de deficiência. É muito importante isso. Lá a gente discutiu muito. Bom, eu esqueci de dar uma introdução, meu nome é Monica de Roure, e sou e estou a vice-presidente da BrazilFoundation. E nós estamos aqui. Uma coisa que é importante dizer que a gente está celebrando o Mês da Filantropia que Transforma com o apoio da Rede Comuá para a realização desses dois videocasts.
E nessa questão do mês da filantropia que transforma, é muito importante a gente discutir como é que a gente pode trabalhar numa perspectiva de acesso ao conjunto de direitos para todas as pessoas, dessa multiplicidade de realidades do Brasil, que constituem o Brasil hoje, é muito importante, o que significa?, como é que a gente, enquanto organização da sociedade civil, enquanto organizações que nós fazemos, por exemplo, parte da Rede Comuá, que é uma uma rede de organizações da sociedade civil voltadas para a filantropia comunitária, na perspectiva da justiça social. Ou seja, como é que nós que trabalhamos, a gente respira justiça social, a gente pode olhar o mundo pelo celular, mas saber que esse mundo que a gente está olhando pelo celular é acessível para, de fato, todas as pessoas.
Simone, conta como é que a Web para Todos, a espiral interativa, como é que você faz no seu dia a dia para realmente trabalhar com esse aspecto da questão do direito. E conta como é que praticamente, como é que a gente, no mundo do dia a dia, pode fazer com que isso aconteça.
Simone – Obrigadíssima mais uma vez, Mônica! Obrigada, BrazilFoundation por este convite. Ótimo você ter reforçado pro pessoal assistir o nosso primeiro papo, porque é isso pra gente não ficar repetitivo inclusive, né? Então vai lá né? Absorve tudo. E aqui eu vou trazer um lado um pouquinho mais prático que eu acho que nessas minhas andanças aqui com acessibilidade digital já são mais de 15 anos.
Imagina falar de acessibilidade digital 15 anos, 17 anos atrás… pessoalmente nem sonhava… era um outro mundo. Um dos primeiros até. É até legal vocês entenderem essa evolução. Quando eu fundei a Espiral Interativa, que é a minha agência com esse foco, a gente quer desenvolver inclusive o site de vocês. Um dos primeiros clientes que apareceram para a Espiral foi a Fundação Dorina Nowill.
Não viu então a Dona Dorina, ela inclusive era viva e tal. E aí vocês imaginam, 17 anos atrás, uma organização como a Dorina dizer “adoramos a proposta de trabalho de vocês, de pensar a presença digital de organizações de uma forma mais inclusiva, mas vocês fazem toda a comunicação de vocês para as pessoas cegas?” Nossa, essa cara de espanto, eu fiz 17 anos atrás.
Eu achando que tava arrasando com a minha agência e a gente tava maravilhoso, mas assim eu não imaginava, falei como assim? Aí não só o trabalho pra fora da organização, mas assim quem publica no nosso site também são pessoas de comunicação cegas, ou seja, o publicador do site tinha também que estar certo, tinha também que estar acessível.
Então ali foi o meu despertar e o despertar da minha equipe. Sim, se a gente quer um mundo verdadeiramente digital, verdadeiramente inclusivo, a gente tem que pensar nisso para as pessoas mais diversas possíveis. E ali a gente acabou entrando nessa e acabou sendo a minha paixão de vida. Eu fui casada com um tetraplégico, olha só. Então é assim você tá ali com a pessoa no dia a dia… uma coisa é você trabalhar para se dedicar, é outra coisa é você viver com uma pessoa que você tá ali vivendo no dia a dia essa dificuldade. Na época era banco, era com token. Lembra disso recentemente? Agora token é no celular. Tudo bem, pode ser que o comando de voz seja mais fácil. Mas antes, assim como uma pessoa que não tem o movimento dos braços faz pra apertar o token e entrar na conta dela? qual é a autonomia que essa pessoa tem pra entrar num site, por exemplo, de uma organização e fazer uma doação sem precisar que alguém entre, coloque o número do cartão de crédito dela e faça tudo isso.
Monica – É como mandava mensagem se não fosse a possibilidade de gravação no WhatsApp
Simone – Exatamente!
Monica – Eu estava pensando aqui numa série de como é que você faz pra lidar com as mídias digitais, de estar hoje incluído na questão das mídias digitais, mas a gente tem que ir para um lado mais prático. Eu lembro que eu fiz uma visita uma vez a Fundação Dorina Nowill e assim a capacidade que eles tinham… eu achei super avançada a área digital deles e a gente olha hoje naquela faz uns dez anos atrás, eu acho que devia estar começando a andar por lá, mas como é que a gente faz no nosso dia a dia enquanto uma pessoa de organização social?
Como é que a gente transita pra entender esse mundo? A gente discutiu como é que a gente se torna atenta mentalmente atenta pra essa questão. Mas eu queria saber agora se no modo prático, como é que eu vou fazer, ou o se eu tenho que contratar milhões de pessoas pra fazer isso?
Simone – Então, na verdade, o que a gente fala muito é que, primeiro de tudo, precisa ter o conhecimento, a informação. Se vocês entrarem no site da Web para Todos, a gente tem biblioteca, a gente tem blog, a gente tem entrevistas, a gente tem material técnico, tudo aberto, gratuito. Então começa por uma, por uma conscientização, principalmente do time da organização, que está ligada aos canais digitais.
Às vezes é uma pessoa só, é uma pessoa que está fazendo post das redes sociais, que está criando a arte que está produzindo o texto, que está falando com o parceiro da página de doação. Então, assim, mapeia quem é essa pessoa dentro da organização. Pode ser uma pessoa e essa pessoa, ela tem que começar a entender o comportamento e o que ela precisa transformar na comunicação.
São pequenos ajustes, principalmente na parte de presença digital. Às vezes o site é muito antigo e aí realmente vai precisar de um olhar mais técnico. Então, quando for contratar um freelancer ou uma agência, demande acessibilidade, coloca ali quando você vai criar o seu projeto. Olha, eu quero que o meu site siga as diretrizes das WCAGs e esteja dentro do dentro dos padrões mínimos.
O mínimo já vai ser uma evolução muito grande pra quem não tem acesso à informação do seu site. Então começa conscientizando essa pessoa que tá ali, cobre do seu parceiro, fornecedor, que cuida do seu site, acessibilidade. E aí são várias regrinhas. Então para produção de texto tem as regras que a gente deve seguir para o avatar de Libras, a gente tem que se vocês entrarem só no site da BrazilFoundation vocês vão ver lá a Maia, maravilhosa, vai. Quando entrar, vai ter uma mãozinha ali no canto direito e aí vocês cliquem, vocês vão ver já abram. Aquilo é um avatar de libras, que é para incluir as pessoas surdas que se comunicam só em libras com as informações da BrazilFoundation. Então, para a gente produzir o texto, o texto tem que estar adequado, para Maia fazer essa interpretação, porque é inteligência artificial.
Hoje as redes sociais são imagéticas. Eu tenho dezenas de amigos que não enxergam amigos e amigas. Todas as minhas postagens têm descrição de imagem, porque o leitor de telas que eles usam e elas usam, eles navegam com o celular apagado. Eu tenho o leitor de telas aqui no meu, eu uso bastante até para testar as minhas postagens. Imagem, por exemplo, o leitor de telas não lê, então se eu público uma foto nossa, Mônica, você entrar no meu Instagram, por exemplo, vai estar lá.
Simone e Mônica: Estamos num estúdio, sentadas frente a frente, ao fundo, uma tela escrito Comunicação Inclusiva e Acessibilidade Digital no Brasil, BrazilFoundation e Rede Comuá. Eu visto a camiseta preta do Movimento Web para Todos estou com os cabelos soltos, sorrindo. Por que eu escrevo isso? Porque os meus amigos que não enxergam as amigas vão saber o que é aquela foto.
E quando a gente transporta isso para uma realidade de uma organização, por exemplo, um banner no site maravilhoso para captação de uma campanha, se não tiver a descrição, você está deixando de falar com 6,5 milhões de brasileiros e brasileiras que, segundo Censo de 2010, têm cegueira e baixa visão. Então, assim, coisas práticas: o site precisa estar acessível, as imagens nas postagens precisam ter descrição, os textos têm que estar adequados para pessoas de baixo aprendizado, pessoas de baixo letramento, para pessoas que têm alguma deficiência cognitiva e intelectual.
A gente fala que é transformar a sua organização em uma organização inclusiva digitalmente é uma jornada, fazendo até uma analogia com o mundo físico: se imagine uma organização alugou uma casinha nova ali, super jeitosinha para ser a sede. Chegou lá. Putz, só tem escada, não tem banheiro acessível. Vai dar para arrumar, vai. Vai fazer assim, não vai. Vamos fazer aqui uma rampinha legal. O próximo passo vamos acessibilizar. O digital é a mesma coisa. Então é uma jornada, a gente vai fazendo aos poucos.
O importante é começar. Começa pela descrição das imagens. Isso qualquer pessoa que está produzindo conteúdo da sua organização pode fazer, não é?
Monica – É muito importante. Você tocou num ponto assim que as organizações, porque é só acrescentar um ponto de compromisso a mais de cada uma de nós. Porque se a gente está tão envolvido com uma agenda de direitos, com esse compromisso de que todas as pessoas tenham uma vida com dignidade, que isso é um dado muito importante para a gente ter em mente no Brasil de hoje. Eu acho que é um item… e é assim quando você se compromete… Eu já falei isso no podcast anterior que eu sou uma dinossauro, quase estou na pré-história do setor social… A gente tinha que começar e graças a Deus, a gente naquela época, como era tudo muito novo, assim, graças aos céus, porque a gente não sabia o tamanho do desafio. O tamanho da encrenca.
Encrenca que a gente estava, o tamanho do compromisso, o tamanho do amor que a gente ia precisar ter, para de fato tentar e conseguir pautar uma agenda de justiça social nesse país. Então, eu acho que é só uma questão de alargamento de visão, porque a gente tem de fato a questão da pessoa com deficiência é tão invisibilizada e inviabilizada.
Porque pensa assim? Porque a questão da pessoa com deficiência, ela, ao contrário da maioria das questões sociais, ela permeia a todos. Transversaliza. Ela completa. Pessoa preta, cadeirante. A gente tem pessoa, independentemente da orientação sexual dela, está ali e cega.
A priori, ela perpassa todos os estratos da sociedade e isso inviabiliza ainda mais. Porque, na realidade, como é que você faz, né? Eu sou carioca, as pessoas já devem ter notado pelo sotaque, como é que se faz pra andar nas favelas, que a maioria das favelas no Rio de Janeiro elas tem partes de morro, ou elas são os morros do entorno que compõe a favela. Como é que você faz pra circular? A vida não é acessível a priori. Então, nada é muito acessível a priori, né? Eu lembro que eu fiquei chocada uma vez quando eu fui pra Irlanda e você vai atravessar o sinal e tocava.
Simone – Sim… É para pessoa com deficiência visual… E aí eu falei, tudo quanto é lugar qe eu vou atravessar, toca… Já tem alguns aqui em São Paulo.
Monica – Exatamente… mas então como é que a gente faz? Você explicou que a gente precisa começar… Mas eu queria ouvir um pouco de você, do Movimento da Web para Todos. Como é que a gente pauta essa questão?
Simone – Boa! Até antes de falar, você trouxe uma fala muito interessante. Como que uma pessoa, por exemplo, dentro de uma favela, uma pessoa cadeirante se locomove, sendo que a gente está falando de uma topologia de morro e tal. Nesse cenário, então o digital se torna… Tem uma frase maravilhosa de uma engenheira de software da IBM Eu esqueci o nome dela agora, mas é uma frase antiga, que é assim: para as pessoas típicas, tipo a tecnologia, falando bem a grosso modo, ela resolve as coisas para pessoas típicas, só que para as pessoas com deficiência, a tecnologia, ela é assim, ela é essencial, ela é praticamente vital. Porque se a gente pega um caso como esse, da pessoa ter uma dificuldade de locomoção, é muito mais fácil ela fazer tudo pelo celular, né? Só que eventualmente o celular não está preparado.
Eu tenho uma colega amiga que é embaixadora do movimento. Ela teve paralisia cerebral e ela tem o lado dela esquerdo totalmente comprometido. Ela é cadeirante, ela usa o celular só com uma mão e com o dedão. Você imagina hoje esses recursos todos que tem? Assim, segure a sua foto e tire uma foto segurando a sua foto com o celular e envie.
É uma coisa muito simples pra gente que tem o movimento das duas mãos. Ou o banco segure, aproxime… Ela não tem essa destreza. Então a tecnologia, enfim, dei uma viajada, mas eu precisava trazer esse contexto da importância da acessibilidade digital dentro desse contexto de transversalização, né? Voltando ao Movimento, ele entra a Mônica com essa inquietude minha que eu até comentei, ele entra em três pilares: a gente constituiu um movimento pensando em como que a gente realmente não só conscientiza, mas a gente transforma.
Então, no pilar da mobilização, é o pilar que a gente faz. O que a gente está fazendo aqui hoje e é o pilar que a gente vai pra sociedade, que a gente participa de rodas de conversa, debate, entrevistas. É uma mobilização em massa… a próxima parte de atuação do movimento, é a capacitação. Então a gente já capacitou mais de 30.000 pessoas desde que o movimento foi fundado, 30.000 profissionais em acessibilidade digital.
Então grandes marcas contratam a gente. Governo contrata. A gente tem projetos com o governo e a gente faz toda essa capacitação técnica que se a gente não ensinar as pessoas a mudar ali o código, a mudar a experiência de usuário com deficiência, mudar a produção do texto, fica só na conscientização. Não adianta. A gente tem que ensinar. E a transformação, que é o último pilar, a gente presta como Movimento, consultoria. Então a gente acompanha as marcas, acompanha as organizações nesse compromisso, nessa evolução da acessibilidade. Estamos fazendo direito, vai lançar uma campanha, a gente valida, a gente traz as pessoas com deficiência. Isso é muito importante. A Simone tá aqui como uma das líderes do movimento. É a minha voz. Eu estou emprestando a minha voz e o meu conhecimento.
Mas quando a gente está em atuação como movimento, a Simone nunca está sozinha. Todos os embaixadores, embaixadores que ali é onde o calo aperta, ali a dor que ele que ela sente, né? Então o Movimento é isso, o Movimento atua nesses três pilares e a gente tem feito um trabalho simplesmente maravilhoso, transformador, super reconhecido. E esse espaço é maravilhoso também.
Então eu convido todo mundo que está assistindo a gente a entrar lá e abusar de tudo o que a gente tem no Movimento, explorar mesmo! Porque o material que a gente tem lá é um material muito rico pra quem quer já fazer parte dessa jornada.
Pra mim é super importante, porque as pessoas sem nenhuma limitação, precisam aprender o que é mais importante para nós aprendermos. Como é que a gente abre as fronteiras do nosso mundo para ser sermos, de fato, pessoas inclusivas e includente? São duas coisas diferentes, sim, a gente tem que pensar que a gente tem que se tornar mais inclusiva, né?
Monica – Eu acho que isso, vai ser… somos nós que estamos nos alijando de um grande potencial de aprendizagem. Isso é uma coisa. Eu lembro que eu sofri um acidente que me deixou com limitação motora por quase dois anos. E eu voltei a andar justamente porque uma pessoa muito próxima, a minha afilhada, me ensinou que o mundo não tem limite e que isso é muito importante. Você vai, se você quer, você consegue. Então a gente tem que aprender a lutar todo dia para que o mundo não tenha limite para ninguém.
Obrigada, Simone. E eu queria pedir a todas as pessoas que assistiram esse vídeocast que este dia, se não tiverem visto, vão ao primeiro e compartilhem, porque de fato nós precisamos trabalhar a questão da inclusão das pessoas com deficiência na era digital. E a gente depende de você. Obrigada.