Conheça a pedagoga Bel Santos Mayer, que sonha em transformar Parelheiros em um centro de referência para mulheres e crianças
Por Tássia Di Carvalho
Fundado há 35 anos, o Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário, Ibeac, se divide em duas fases distintas: antes de Bel Santos Mayer e com Bel Santos Mayer. Antes dessa paulistana criada no Parque Santa Madalena – na Zona Leste de São Paulo – o Ibeac já era reconhecido por seu trabalho com alfabetização e educação de jovens e adultos – estima-se que ao menos 40 mil pessoas já tenham sido capacitadas pela organização. Com ela, que coordena o instituto, começou uma nova e audaciosa fase, que inclui várias vertentes, entre elas os empoderamentos feminino e juvenil.
Militância precoce
“Sou uma alfabetizadora, estou na área social desde os 14 anos. Nessa época, meus amigos e eu criamos uma casa de acolhida para meninas, no bairro em que morávamos”, diz Bel, de 49 anos, casada há dez com o alemão Bernd Mayer, gerente de projetos de parcerias público-privado na Câmara de Comércio Brasil-Alemanha. Bel, nascida Isabel, em 1967, é filha de um metalúrgico e de uma empregada doméstica ‘nunca registrada’, frisa ela. “Quando eu era adolescente, comecei a militar, trabalhando com jovens marginalizadas. Meus pais eram contra, ficavam com muito medo de ver a ‘menina deles’ em meio a tiros e violência policial – coisas que conhecemos bem”, relembra ela. Anos se passaram até que os pais aceitassem a área de atuação de Bel.
Aos 17 anos se formou no ensino médio e no magistério. Prestou concurso para a Secretaria Municipal de Educação, onde trabalhou por 14 anos, no início conciliando com a graduação em Licenciatura em Ciências Matemáticas. Aos 27 anos, ganhou uma bolsa para cursar Metodologias Pedagógicas com especialização em Pedagogia Social, na Itália, onde passou dois anos. “Quando fui viajar, meus pais não tinham nenhuma militância. Com a distância, meus amigos ficaram bem próximos a eles. Acredito que foi crescendo o orgulho de serem meus pais, quando voltei, eles já militavam”, conta Bel, orgulhosa dos pais Miguel e Dorinha, que atualmente trabalham voluntariamente em várias ações, como um clube de mães e uma casa de apoio a idosos.
As histórias se cruzam
Em 1997, a história de Bel cruzou com a do Ibeac. Segundo ela, o instituto queria alguém que conhecesse a Educação por dentro, para atuar em Belém do Pará. “Cheguei para constituir uma equipe de Direitos Humanos. De 1997 a 2001, o Ibeac oferecia formação e apoio para a criação de centros de documentação em Direitos Humanos, na Região Norte do país”, relembra. “Lá, o foco era mobilização a partir de conselhos escolares. Por minha experiência na Educação, o Ibeac me convidou para substituir uma pessoa da equipe – fiquei para sempre.”
Segundo Bel, o Ibeac sempre atuou em três linhas: Informação, Mobilização da Comunidade e Intervenção. “Procuramos criar algo que possa ser autogerido. Na década de 1990, vimos que biblioteca é algo emblemático, é um lugar de encontro, de um tipo diferente de empoderamento, distante do debate cultural. É uma reivindicação pela leitura, o jovem que está associado à biblioteca ganha outra visão”, crê Bel, que acrescenta: “Criamos três bibliotecas: Solano Trindade, Livro Para Que Te Quero, e Cemitério da Colônia.” Sim, em um cemitério, de verdade! A biblioteca no lugar mais inusitado do mundo foi inaugurada em 2009, no Bairro de Parelheiros, na Zona Sul paulistana. “No início funcionava em um posto de saúde, mas um dentista chegou para ocupar a sala e fomos para a casa do coveiro, que estava vaga.” E o lugar é bem aproveitado: tem até o Sarau do Terror, que funciona em meio aos túmulos! Quem se aventura? “Aquilo que poderia ser motivo de constrangimento e medo para os jovens, virou motivo de orgulho: ocupar um espaço inusitado associado à morte, com literatura viva, alegria e poesia”, orgulha-se Bel.
O apoio da BrazilFoundation
Em 2015, a BrazilFoundation começou a apoiar o Ibeac, através do Projeto Sementeiras do Direito, que trabalha o enfrentamento da violência e cuidados nas comunidades. “Dentro da biblioteca, os jovens faziam um ‘Top 10’, uma espécie de concurso para eleger a menina mais safada. Através de ameaças, eles faziam as garotas tirarem fotos íntimas, e depois compartilhavam as imagens entre si”, lamenta Bel. “O grupo começou a pensar estratégias para combater esses abusos. As meninas tinham que encontrar dez maneiras para serem mais feministas, e começaram a ver como elas estavam vulneráveis a situações de violência.” Com o apoio da BrazilFoundation, foi criada a Casa do Brincar, onde adolescentes brincam entre elas e com crianças. “É uma experiência que está dando muito certo, depois disso também entramos no Outra Parada – iniciativa pioneira no setor social brasileiro, focado no financiamento de iniciativas informais. Apoiamos três organizações a fortalecerem seus projetos.” Foram escolhidos o ‘Teatro de Barros’, que leva a poesia de Manoel de Barros e Carolina Maria de Jesus para as ruas; a ‘Brechoteca’, roda de cuidado e proteção das mulheres dentro das bibliotecas; e o ‘Núcleo de Jovens Políticos’, que se encontram para discutir e pensar política.
Parelheiros, o referencial
Segundo Bel, os planos do Ibeac para a próxima década estão ligados diretamente ao desenvolvimento de Parelheiros. “Chegamos a Parelheiros em 2008, com o plano de ficarmos dez anos, contribuindo para a formação de um grupo que se tornasse referência dentro das suas comunidades. Passaram-se oito, esse grupo de jovens existe, a biblioteca existe, as sementeiras existem – e o nosso propósito é dar esse poder, importante para grandes transformações.” Para que esse poder seja dado, o Ibeac planeja atuar em várias áreas dentro da região: fortalecer um grupo de mulheres, que seja de acolhida, de construção de estratégias de enfrentamento ao machismo e outras violências. “E também um grupo de mulheres que contribua para a transformação de Parelheiros em um lugar do bem viver e nós estamos falando do bem viver enquanto espaços culturais, educacionais, alimentares”, destaca.
Além de fortalecer as Sementeiras de Direitos, o Ibeac planeja que a biblioteca seja reconhecida como uma política pública do município de São Paulo. “Nós já somos um ponto de cultura, queremos que possa ter fomento cultural, ser um equipamento que funciona junto com a rede municipal de bibliotecas.” O Ibeac planeja ir além, Bel afirma que a organização quer conseguir interferir na questão da alimentação a partir das plantas comestíveis que existem na região, dos frutos tradicionais: açaí e cambuci. “Nosso projeto mais recente se chama Sementeiras Colhendo Açaí e Cambuci.” Além disso, o Ibeac quer que Parelheiros se transforme em um centro de excelência no tratamento das crianças. “Queremos ser um centro de referência em relação à perspectiva para o futuro, que Parelheiros possa ser uma região que cuide muito bem do futuro para as crianças, mulheres e jovens. Isso significa cuidar do ambiente, das crianças, das mulheres e construir espaços para novas relações.”