Rio Doce, Um Ano Depois

4 de novembro de 2016 • Publicado em Projetos apoiados

Rio Doce, Um Ano Depois

A maior tragédia ambiental da história do Brasil, o rompimento das barragens de Mariana em 5 de novembro de 2015, completa 1 ano. Em resposta ao desastre, doadores da BrazilFoundation se mobilizaram para arrecadar recursos em apoio a iniciativas socioambientais na região atingida.  A partir disso a BrazilFoundation criou um Fundo dedicado a apoiar projetos socioambientais em Minas Gerais – o Fundo Minas. Foram realizados 3 eventos para arrecadação e R$250 mil reais foram investidos em 10 projetos, 7 dos quais beneficiando diretamente as populações atingidas.  Hoje, os desafios da região ainda são muitos, mas comemoramos os impactos alcançados por essas iniciativas, que atuam desde o incentivo à preservação ambiental a partir da leitura, até orientações jurídicas diretas para moradores afetados.

Convidamos a jornalista Tassia Di Carvalho para fazer uma matéria sobre os resultados deste apoio, um ano depois. Confiram.

Uma sirene não tocada, uma tragédia anunciada

*por Tássia Di Carvalho

A sirene não tocou naquela tarde de quinta-feira, então estava tudo bem, era o que pensavam os moradores de Mariana, cidade no interior de Minas Gerais. Mas não, não estava, era dia 5 de novembro de 2015, e um a um, todos os habitantes daquela cidadezinha pacata tiveram suas vidas impactadas pela pior tragédia ambiental do país. Nada mais seria como antes, ninguém mais seria como era. A cidade tornou-se um somatório de faltas: de água, de peixes, de trabalho, da lavoura, de casas, e dentre tantas coisas o que mais faz falta são as 19 vidas perdidas pela falta da sirene que avisasse sobre o rompimento da Barragem de Fundão, e possibilitasse o salvamento de todas.

Aonde havia o grande ribeirão, de água limpa, potável e adocicada – característica que dava nome ao Rio Doce – tornou-se um grande enlameado, poluído por minérios de ferro, que ficavam contidos na represa, tirando a potabilidade do ribeirão, sua limpidez e doçura. A falta de posicionamento concreto sobre reparações por parte da empresa fez os moradores da região entenderam que eles precisariam ser a força motriz em busca das reparações por direitos. Unidos, formaram coletivos e associações. Logo após a tragédia, a BrazilFoundation criou o Fundo Minas, como forma de apoiar e instrumentalizar ações de cidades atingidas pela catástrofe, e repassou R$ 250 mil, para dez delas.

O perfil das ações apoiadas

O Fundo Minas apoia projetos das mais diversas áreas, cada um a sua maneira está em busca de reparações de direitos, desde organização filantrópica religiosa a entidade estadual, passando por coletivos de mídia e pequenas associações de produtores locais. Seus projetos envolvem desde o acompanhamento de ações junto ao Ministério Público e a Samarco a oficinas de jornalismo cidadão para crianças e adolescentes; incluindo subsídios para a retomada de gerações de renda prejudicadas pelo desastre ambiental, como a Associação de Hortifrutigranjeiros de Bento Rodrigues, Ahobero – que planejava comprar potes e instrumentos para trabalhar em feiras pela região, gerando trabalho e renda para nove famílias.

A importância do Fundo Minas para os projetos apoiados

Para as entidades apoiadas, o Fundo Minas têm sido essencial para a realização de suas ações. Enquanto cooperativas que lidam diretamente com a geração de renda agora conseguem se manter, caso da Ahobero, que viu suas vendas dobrarem em um ano. “Crescemos pelo menos 40% na venda dos potes de geleia de pimenta biquinho, hoje estamos vendendo 1.500, mas esperamos chegar a 2 mil. Tudo isso aconteceu após o financiamento da BrazilFoundation, tínhamos perdido todos os nossos materiais, por causa da barragem”, afirma Keila Muniz, uma das gestoras do projeto, que no entanto conta que apesar de ter conhecimento e mão de obra qualificada, não pode diversificar ainda mais suas ações, pois o grupo perdeu as plantações de pimenta, que ficavam em Bento Rodrigues. “Conseguimos salvar apenas uma tonelada, que estava armazenada fora do distrito, é o que temos usado”, lamenta. “A Samarco disse que vai comprar mais quando nossa pimenta acabar, tomara que sim”, espera.

Já para Cauê Melo, da Associação Estadual de Defesa Ambiental Social, Aedas, o Fundo Minas permitiu que a entidade pudesse ter subsídios para executar seu trabalho de forma mais plena, capacitando e abrangendo mais famílias da região. “Ele tem nos possibilitado organização e promoção de algo que é direito das pessoas, que por não estarem organizadas acabam os perdendo. O Fundo tem sido um apoio que garante condições para ajudar na promoção de autonomia e discussão de direitos”, crê.

Para Ricardo Abrahão, do Projeto Douradinho, que já capacitou mais de 4 mil crianças de 41 escolas públicas e particulares de Governador Valadares, através de gincanas que envolve pais, sociedade e comunidade, o apoio do Fundo Minas é fundamental. “A BrazilFoundation está nos ajudando a mitigar o impacto da catástrofe. Sabemos que não é apenas com um ano que vamos melhorar toda a situação, mas estamos dando início a uma mudança social da região. Queremos que continue, precisamos que continue.”

Segundo Jabier Galarza, do Projeto Articulação e Fortalecimento da Rede de Movimentos e Entidades Sociais na Defesa da Bacia do Rio Doce, mantido pela Cáritas Diocesana de Governador Valadares, o Fundo Minas foi o pontapé inicial preciso para lutar por direitos. “Não tínhamos recurso nenhum, foi importante para nós, termos a BrazilFoundation nos ajudando. A Samarco é a maior mineradora do mundo, estamos enfrentando a mídia, os advogados e os técnicos”, reflete e continua: “Estamos mostrando a cara, criando alternativas. Nosso trabalho é fundamental para ajudar os atingidos que perderam emprego, qualidade de vida, lazer. Estamos levando os invisíveis sociais para o Ministério Público e para a imprensa, denunciando arbitrariedades e abandono”, evidencia.

Para Thamira Bastos, do Coletivo Mídia, Identidade, Cultura e Arte, o Mica, o apoio que a BrazilFoundation deu para organizações do interior mineiro foi fundamental para a garantia de direitos. “É difícil conseguirmos patrocínio para o interior, ter a BrazilFoundation olhando para nós e investindo na região é muito importante para mantermos o trabalho, além de dar visibilidade para a região”, ressalta ela. Através do suporte, o coletivo já conseguiu capacitar 231 jovens – mais que o dobro da meta que era de 100 adolescentes – que aprenderam direito à comunicação, leitura crítica de mídia, assessoria de imprensa e fotografia por smartphone. “Normalmente as pessoas não sabem que o acesso a informação é um direito, trabalhamos isso através das oficinas.” Além disso, o MICA ainda atua como organização parceira do Coletivo Um Minuto de Sirene, que produz o Jornal A Sirene. Através da associação, os membros do veículo puderam participar de oficinas de capacitação semelhantes as dos adolescentes, o que os instrumentalizou para os desenvolvimentos de seus trabalhos.

[envira-gallery id=”16362″]

Ações no aniversário da tragédia

Um ano após a Barragem de Fundão, operada pela Samarco estourar, o pequeno município de Mariana e seu pequeno distrito Bento Rodrigues, a 25 km um do outro, nunca mais seriam os mesmos. Neste momento, enquanto você lê essa reportagem, várias ações estarão acontecendo, ou prestes a acontecer. A maior e mais impactante delas é uma marcha que percorrerá os mais de 600 km entre Regência, Espirito Santo, e Mariana, fazendo o caminho inverso ao que a lama fez, desde a última segunda-feira, 31 de outubro. Mais de 220 cidades nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo foram atingidas pelo incidente.

Em Governador Valadares, a Caritas organiza uma audiência pública para não deixar a tragédia cair no esquecimento, e as crianças do Projeto Douradinho apresentarão os resultados finais da gincana, que ainda prevê o plantio de 3 mil mudas na margem do Rio Doce. “Se destas, mil vingarem, teremos mil árvores novas que ajudarão na preservação da margem do rio”, almeja Ricardo Abrahão. Já no dia 5, quando chegar a Mariana, o Coletivo Um Minuto de Sirene tocará a sirene que poderia ter salvo as 19 vidas perdidas no rompimento da barragem.

Futuro

Um consenso entre todos os projetos apoiados é que os danos causados pelo rompimento da barragem não serão remediados em pouco tempo, então as ações que promovem a preservação e conscientização de direitos também não podem ser concretizados em curto prazo. Várias espécies de peixes, invertebrados, anfíbios e répteis foram mortas, algumas podem ter sido extintas. A lama chegou ao Espírito Santo e invadiu 3 km mar adentro e 10 km da costa. Atividades econômicas como a pesca e o turismo foram totalmente prejudicadas.

Enquanto a Ahobero espera aumentar de 1.500 para 2 mil potes de geleias de pimenta biquinho vendidos mensalmente, a AEDAS quer ampliar os municípios atendidos por suas ações. Já o Coletivo MICA e o Projeto Douradinho esperam capacitar e conscientizar ainda mais jovens e crianças, respectivamente, mas para que isso ocorra ambas concordam que precisam de suporte financeiro e apoios governamentais. “Todo apoio é bem vindo. Precisamos do apoio da prefeitura para entrar nas escolas, mesmo que eles não nos deem dinheiro, atuamos diretamente nas escolas. Tem muitos alunos pedindo para fazer as oficinas, mas ainda não temos como atende-los”, constata Thamira, do MICA. “Nossa meta era trabalhar com alunos do quarto ano, acabamos pegando de outras séries também, e muitos outros querem participar ainda. A criança que passa pela gincana acaba envolvendo os pais, tios e primos, fazendo com que todos se conscientizem sobre a importância da preservação ambiental”, afirma Ricardo Abrahão, do Projeto Douradinho.

Já o Coletivo Um Minuto de Sirene planeja aumentar sua abrangência, fazer um website, comprar dois computadores, uma impressora e câmeras fotográficas para melhorar seu trabalho e desempenho, além de bolsas para profissionais-mentores que ajudarão na formação dos jovens do Jornal A Sirene. “Precisamos de algum equipamento fotográfico, estamos usando os nossos pessoais, precisamos muito de um data show e de uma caixa de som, para dar os cursos”, afirma Juçara Gorski Brittes, orientadora do projeto.